Levantamento mostra que Corte autorizou o benefício em 21 casos e negou em 17, com análise individual baseada sobretudo em idade, saúde e capacidade de tratamento no presídio

Um levantamento do g1 revela que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem concedido a prisão domiciliar humanitária de forma excepcional e após análise individualizada dos casos. Além da decisão recente que autorizou o benefício ao general Augusto Heleno — condenado a 21 anos por participação na trama golpista e que alegou Alzheimer — a Corte já havia permitido a medida a outros 20 condenados e negado a 17, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A chamada prisão domiciliar humanitária não está prevista expressamente em lei. Trata-se de uma concessão excepcional do Judiciário, aplicada sobretudo a presos em regime fechado que comprovam doença grave e quando o Estado não consegue garantir tratamento adequado no sistema prisional. O benefício é distinto do recolhimento domiciliar, previsto para condenados em regime aberto, e da prisão domiciliar preventiva.

Entre os 21 condenados que obtiveram a medida, incluindo Heleno, 15 são idosos e todos apresentaram problemas de saúde física ou mental. Já entre os 17 pedidos negados, 15 também alegaram questões de saúde, mas a maioria tem menos de 60 anos — caso do ex-presidente Bolsonaro.

Ao todo, foram analisadas 99 decisões do STF até 22 de dezembro de 2025, envolvendo 38 condenados que cumprem pena em regime fechado e solicitaram a domiciliar humanitária. A maioria dos casos (31) está ligada aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, que concentram o maior número de condenações da história da Corte. Os demais envolvem crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, delitos eleitorais e atentados contra os Poderes.

Como relator dos processos do 8 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes analisou 32 dos 38 pedidos. Ele concedeu a domiciliar humanitária a 17 condenados — 15 pelos atos golpistas, além do ex-presidente Fernando Collor (Lava Jato) e do ex-deputado Roberto Jefferson — e negou o benefício a outros 15, todos também ligados ao 8 de janeiro, incluindo Bolsonaro.

Em alguns casos, Moraes autorizou a domiciliar mesmo com laudos médicos apontando que o presídio tinha condições de oferecer tratamento adequado, fator que costuma pesar contra a concessão. Houve ainda situações em que o benefício foi restabelecido após descumprimento anterior das medidas, decisão que foge ao padrão adotado pela Corte.

Para o professor de direito penal Pedro Kenne, a concessão depende essencialmente da avaliação concreta de cada caso. Segundo ele, o critério central é verificar se o Estado consegue ou não garantir cuidados de saúde compatíveis com a condição do preso. “Se há tratamento minimamente adequado no presídio, ainda que não seja o ideal, a tendência é negar a domiciliar”, explica.

Casos emblemáticos reforçam a excepcionalidade do benefício. No mensalão, o ex-deputado Nelson Meurer teve pedidos negados mesmo integrando grupo de risco da Covid-19 e morreu na prisão em 2020. Já José Genoíno também teve a domiciliar recusada à época, sob o argumento de que a lei deve valer de forma igual para todos.

O histórico mostra que, embora o STF admita a prisão domiciliar humanitária em situações extremas, a Corte mantém o entendimento de que o benefício não pode servir para flexibilizar o cumprimento da pena, devendo ser aplicado apenas quando a permanência no sistema prisional se mostrar incompatível com a dignidade e a saúde do condenado.